Associado João da Cruz Ramos Filho compartilha produção atual.
Os últimos seis meses foram bem produtivos para o associado e poeta João da Cruz Ramos Filho, aposentado pelo TRT12. Além da dedicação ao projeto “Camisinha Poética”, parceiro da Unaids (programa das Nações Unidas para o combate à Aids) na prevenção e combate à Aids, JC (como prefere ser chamado) também escreveu sobre a pandemia e racismo, reflexões suscitadas especialmente (mas não só) neste período.
O poeta maranhense compartilhou três textos, publicados na íntegra logo abaixo. “Um deles, intitulado ‘Não consigo respirar!’, foi motivado pela Portaria nº 108, de 8 de julho de 2020 que institui um Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário”, explica JC.
Além deste texto, você confere também “Linguagem dos olhos” e o texto mais recente, “Refletindo na quarentena”.
Para entrar em contato com o poeta e escritor JC Ramos envie e-mail para jc.ramos@terra.com.br.
Não consigo respirar!
Por JC Ramos
Não consigo respirar!
Essa frase ou equivalente a ela, desde que começou a onda da pandemia da covid-19, já estava bem viva no imaginário de uns e efetivamente atormentando e destruindo os pulmões de outros. Pessoas foram levadas, às pressas, para o serviço médico na esperança de encontrar um respirador que viesse a salvar suas vidas, voltando a respirar naturalmente… ou infelizmente seguindo para outra dimensão sem saber se lhes foram subtraídas algumas horas ou até alguns anos de vida. Às vezes, por não chegar a tempo no hospital ou por falta de equipamentos ou ainda pelo fato de alguém ser obrigado a seguir uma ordem protocolar e até mesmo por cair sobre os ombros do pessoal de saúde a responsabilidade de escolher quem deveria receber um respirador. Em suma, fazendo a diferença entre viver ou morrer.
Todavia, essa frase ganhou uma nova conotação e significado em 25 de maio de 2020, quando em Minneapolis (EUA), George Floyd foi impedido de respirar livremente, mesmo quando, quase agonizando, dizia: “não consigo respirar”! Ele nunca mais respirou! É muito provável que, em toda a sua vida negra, muitas vezes alguém já havia tentado fazer com que ele parasse de respirar, por meio de uma atitude silenciosa ou mesmo um olhar cheio de significados quando ia à farmácia, ao supermercado, no metrô, no emprego ou até mesmo em uma festa ou em um parque qualquer.
Mas até aquele dia ele teimava em respirar.
Porém, naquela tarde fatídica, a subtração do ar de seus pulmões foi filmada e depois vista por milhões e milhões de pessoas pelo mundo afora.
E foi então que pessoas, independentemente de raça ou da cor, classe social ou faixa etária, começaram a sentir faltar em seus pulmões o mesmo ar cuja subtração fora crucial para George Floyd.
A história de George Floyd poderá até virar filme, mas será baseado em fatos reais. E provavelmente não será em preto e branco.
A vida continuará a correr e a luta pela liberdade e pelo direito de respirar livremente também. A busca de força e empoderamento é que mantém de pé todas as pessoas que sonham e acreditam em um mundo melhor e mais humanitário. Vai ter sempre alguém no meio do caminho a lhe ameaçar, dizendo que, nem que seja no fim de sua jornada, vai cortar o seu oxigênio. Você precisa não acreditar nisso, seguindo em frente sem medo, pois se você não demonstrar medo é bem possível que, além de conseguir o direito de respirar livremente, ainda possa ajudar que outros sejam livres para respirar lá adiante. Talvez todas essas manifestações em nome de George Floyd possam estar usando, simbolicamente, a vassoura do coletivo para limpar e lavar as calçadas do universo com um simbólico banho sanitário e social. E assim possam tornar mais arejado o ar que alimentam os pulmões da vida.
Linguagem dos olhos
Por JC Ramos
No Brasil, agora é lei: use máscara!
E por mais inusitado que isso pareça, o uso dela é mesmo imprescindível!
Nesses tempos de pandemia, a máscara, antes mesmo de ganhar sinônimo de proteção e empatia, arvorou-se como símbolo também de igualdade. De uma hora para outra, ela se tornou exponencialmente social e o seu uso individual passou a ter um caráter coletivo, pois a identificamos em todos os rostos e pouca coisa pode destoar: a cor, o modelo ou talvez um adereço nas mais austeras.
Todavia, para os sentimentais e românticos, a sua maior contribuição é evocar, com evidência, a versatilidade dos olhos. São eles que ditam as regras agora: cada olhar é uma mensagem que pode significar sorriso, solidariedade, carinho, alegria, tristeza, lágrima, simpatia, às vezes raiva, amor ou até mesmo desilusão. Eis aí uma linguagem a ser praticada! Sim. A linguagem dos olhos! Cada um é dono do seu olhar! Os olhos se tornaram o fiel da balança a dimensionar o amor nos tempos do covid 19:
Vamos imaginar seu coração batendo mais forte por alguém. É improvável que essa pessoa tire a máscara para você. Talvez seja um grande erro você fingir um descuido e deixar cair a sua na frente da pessoa que queira impressionar.
Mas quem sabe alguém apareça na sua frente usando uma máscara na qual esteja escrito: “Não fale nada… já li tudo em seu olhar!” ou “Hoje meus olhos estão alegres como no dia em que conheci os teus: a alegria dos teus olhos passou para os olhos meus” ou ainda “Meus olhos castanhos e os seus azuis, ao se fitarem, disseram coisas que nem consigo imaginar, pois foram ditas num relance de olhar”.
Talvez a máscara traga impressas estas palavras: “Olhos negros encantadores que hipnotizam o meu ser com olhares cheios de amores que me fazem enlouquecer”.
É interessante conferir, porque atrás de uma máscara podem abrigar-se diversas reações e sentimentos e até uma breve gargalhada antecedida por uma voz um pouco afetada. Nessa comunicação é quase tudo imperscrutável. Deixa de ser seguro fazer um juízo de valor.
Mas é preciso que tenhamos fé e esperança. A pandemia logo vai passar, como tudo na vida passa. Importa que nunca esqueçamos que a verdadeira mensagem do amor é escrita no coração, impressa nos olhos e refletida no olhar.
Refletindo na quarentena
Por JC Ramos
A quarentena, naturalmente, já nos faz transbordar de incertezas. Tudo nos parece muito mais inverossímil do que sempre fora… Mesmo antes do infortúnio que a pandemia nos impeliu quando nos enquadrou em sua letalidade, e transmissão infecciosa, noticiadas no Brasil e no resto do mundo… Certamente, não tínhamos nenhum controle do acordar para viver um amanhã e transforma-lo magicamente em hoje. Todavia, a esperança era a flor que mais se destacava em nosso jardim. Infelizmente, para assistir ao seu desabrochar, precisa-se de muito mais cuidado e resiliência.
Embora motivados pela esperança, é ainda a busca de um sonho que antever o escudo da perseverança que se traduz em mecanismo para enfrentar e vencer o coronavírus, os ciclones e outras intempéries, como a toxidade das relações humanas e sociais, entremeadas na abissal diferença.
Mas é justamente esse sonho que sintetiza: tolerância, empatia, igualdade e a paz social. Mesmo quando o Universo parece querer gritar que o Planeta Terra pertence somente a alguns privilegiados. Todavia, é necessário que as vítimas da segregação impusessem a espada da ousadia, do desejo e da coragem, em levante potencializado por um esforço hercúleo para manter a dignidade e a fé; ariscando-se a viver ou apenas sobreviver. Assim, como a flâmula que se ascende todos os dias nos corações das minorias, e principalmente nos corações dos negros pobres, que acorrentados aos grilhões dos guetos e favelas onde subsistem e procuram dar algum sentido às suas vidas. Aqueles que não precisam trabalhar o imaginário para saber o que pode esperá-los na próxima esquina. Infere-se que mesmo os que obtiverem alguma notoriedade por intermédio do conhecimento ou graças ao seu talento. Sabem, mais do que ninguém, que ao seguir em frente…, nunca podem subestimar o racismo estrutural. Este, infelizmente, estar em todos os lugares, como: nas praças, nas modas, nos parques, nos comércios, nos esportes, nos serviços públicos e praticamente onde habita a humanidade.
*Laís Costa, da assessoria